Como
todos sabemos,
ao ver as notícias, ao falar com agricultores, ao ver o
nível
dos rios, ou a recordarmos-nos do número de vezes que foi
preciso sair de casa sem guarda-chuva, que Portugal está
neste
momento numa situação de seca grave. Este foi o
ano
mais seco dos últimos 25 anos e como consequência
existem já muitos concelhos que têm de recorrer a
auto-tanques para abastecimento público.
Prevêem-se
quedas de mais de 50% na produção
agrícola, e o
gado já está sem pastagens um muitos pontos do
País.
Esta
situação
faz-nos pensar na real importância da água, como
nem
sempre está acessível, como não
é um
recurso ilimitado, e que têm de ser preservado e sobretudo
bem
distribuído.
Existe
muita coisa a
mudar, a começar pela redução dos
consumos de
cada um de nós, mas é na agricultura (Sector
que
consume 87% da água em Portugal) onde se tem de
fazer um
maior investimento de forma a utilizar-se equipamento e
técnicas
mais adequadas, de forma a evitar o desperdício. Por outro
lado, também era recomendável uma
revisão da
estratégia agrícola portuguesa, de forma a
reduzir as
culturas que necessitam de muita água. (Ex: Milho
que é
cultivado por ser subsidiado pela UE)
Paralelamente
a esta
situação, foi discutida, no dia 29 de Setembro, a
nova
(e confusa) lei-quadro da Água. Foi um processo demorado que
tem como objectivo transpor para Portugal, a directiva da
Água
da União Europeia estabelecida em 2003 (já
são 2
anos de atraso) que descreve quais devem ser as linhas principais das
leis a elaborar pelos estados membros sobre esta matéria.
Muitos
partidos
políticos e ONG's contestaram a aparente pressa do Governo
em
aprovar a sua proposta, o que lhes deixou muito pouco tempo para a
estudarem, tendo em conta que se trata de um tema tão
importante para o País em termos sociais, ambientais e
económicos. Também de espantar é a
fraca
divulgação destas novas
alterações e
consequente fraca participação pública
A
proposta do
Governo traz de facto algumas alterações muito
importantes e aparentemente vantajosas: Esta nova lei já tem
em conta os custos ambientais e de escassez e vai introduzir as TRH
taxas de recursos hídricos. Estas taxas, segundo o ministro
do
ambiente Francisco Nunes Correia, apenas vai afectar os grandes
consumidores de água, ou seja, a grandes
captações
industriais e agrícolas. A sua
aplicação será
progressiva e os pequenos agricultores vão ficar isentos.
Vão
ser
criadas 5 administrações das Bacias
Hidrográfica,
que estarão subordinadas à Autoridade Nacional da
Água.
Muitos
partidos
políticos, e organizações sociais e
ambientais
afirmam que esta nova legislação abre as portas
ao
interesse dos privados. Esta é de facto a grande
polémica
que gira em torno desta lei: a questão da
privatização
da água e do domínio público
hídrico
DPH (sim, porque permite que rios, portos e praias acabem nas
mãos
dos privados, por períodos de concessão
extremamente
longos). O Governo tenta assim, reduzir as despesas do Estado,
entregando nas mãos de privados, a responsabilidade de gerir
o
abastecimento e o DPH. Ora estes privados gerem-se apenas por
lógicas
económicas em que o principal objectivo é o lucro
(e
portanto, seria óptimo que todos nós
desperdiçássemos
o mais possível), poderá também
acontecer no que concerne à
gestão da água é que onde quer que
não dê
lucro distribuir água simplesmente a mesma
deixará de ser distribuída e o
recurso essencial à vida deixará de estar
disponível nesses locais...
A
legislação a única
garantia de que a água será tratada, como recurso
essencial que é, de que vão ser compridas todas
as
questões ambientais e que todos terão direitos
iguais
no acesso à água, é omissa nalgumas
questões. Organizações como a
Quercus e a LPN apontam graves lacunas na nova
legislação.
Entre essas lacunas estão o facto de não haver
nenhuma
referência à água como um produto
não
comercial, de permitir prazos de concessão muito alargados,
de
não haver um incentivo à poupança de
água,
de não estar esclarecida a articulação
entre
planos, instrumentos e programas e de permitir que entidades privadas
tenham funções de licenciamento,
cobrança de
taxas e de fiscalização. Para além
disso não
se sabe como vão ser aplicadas no terreno medidas e
práticas
de conservação e desenvolvimento
sustentável da
água.
Ainda
que a
legislação fosse perfeita, ao privatizar-se a
distribuição de água, estamos
imediatamente a
colocar o lucro das empresas à frente do direito de todos
terem água em quantidade e qualidade
satisfatórias. A
água, como um sector de extrema importância (e
cada vez
mais será assim), deve estar sobre a responsabilidade do
Estado e este tem de se comprometer a protegê-la e a
tratá-lo
como merece um recurso da sua natureza.
Notas: A directiva quadro
da água (directiva 2000/60/CE de 23 de Outubro) é
do
ano 2000 e parte dela transposta para a
legislação portuguesa pelo DL
243/2001, a parte que diz respeito à água para
consumo humano e aos
novos limites das concentrações dos diversos
parâmetros que são aceites
e as novas análises que devem ser feitas para garantir a
qualidade
desta água.