Eu só quero que me expliquem isto
porque é que ter um crucifixo pendurado na parede de uma escola é uma
ofensa à laicidade do Estado e um atentado à Constituição, e já não é
uma ofensa à laicidade do Estado nem um atentado à Constituição o país
inteiro prestar homenagem, através de um dia feriado, ao nascimento de
Jesus (Natal), à morte de Jesus (Sexta-feira Santa), à ressurreição de
Jesus (Páscoa), à celebração da Eucaristia (Corpo de Deus), aos santos
e mártires da Igreja (Dia de Todos os Santos), à subida ao céu de Maria
(Assunção de Nossa Senhora), e até ao facto de a mãe de Jesus, através
de uma cunha de Deus, ter-se safado do pecado original no momento em
que os seus pais a conceberam (Imaculada Conceição). Na próxima
quinta-feira, dia 8 de Dezembro, o Estado português vai curvar-se
alegremente diante de um dogma de alcofa inventado no século XIX por
uma Igreja acossada pela secularização, mas até lá entretém- -se a
subir ao escadote para remover cruzes de madeira, esses malvados
instrumentos que instigam à conversão religiosa. Em Portugal, já se
sabe, a lógica é uma batata.
Por mim, podem limpar as escolas de todos os crucifixos, e, já agora,
que se aproxima essa perigosa quadra para o laicismo do Estado chamada
Natal, podem proibir também os presépios e até a apanha de musgo. A
única coisa que me incomoda neste pequeno psicodrama é que o Ministério
da Educação perca o seu tempo a expelir circulares muito legais, muito
constitucionais e muito burras. O senhor que está pendurado nos
crucifixos não é apenas um símbolo religioso - é também um símbolo
civilizacional, que atravessa todo o Ocidente através da pintura, da
literatura, da música, da arquitectura, do teatro, do cinema. Mais do
que propaganda católica, o crucifixo faz parte da nossa identidade e é
uma chave para compreender os últimos 21 séculos de História. Não tem a
ver com fé. Não tem a ver com Deus. Tem a ver connosco.