Lei Quadro da Água

por Factus FCT - terça-feira, 17 de outubro de 2006 às 10:50
 

Como todos sabemos, ao ver as notícias, ao falar com agricultores, ao ver o nível dos rios, ou a recordarmos-nos do número de vezes que foi preciso sair de casa sem guarda-chuva, que Portugal está neste momento numa situação de seca grave. Este foi o ano mais seco dos últimos 25 anos e como consequência existem já muitos concelhos que têm de recorrer a auto-tanques para abastecimento público. Prevêem-se quedas de mais de 50% na produção agrícola, e o gado já está sem pastagens um muitos pontos do País.

Esta situação faz-nos pensar na real importância da água, como nem sempre está acessível, como não é um recurso ilimitado, e que têm de ser preservado e sobretudo bem distribuído.

Existe muita coisa a mudar, a começar pela redução dos consumos de cada um de nós, mas é na agricultura (Sector que consume 87% da água em Portugal) onde se tem de fazer um maior investimento de forma a utilizar-se equipamento e técnicas mais adequadas, de forma a evitar o desperdício. Por outro lado, também era recomendável uma revisão da estratégia agrícola portuguesa, de forma a reduzir as culturas que necessitam de muita água. (Ex: Milho que é cultivado por ser subsidiado pela UE)

Paralelamente a esta situação, foi discutida, no dia 29 de Setembro, a nova (e confusa) lei-quadro da Água. Foi um processo demorado que tem como objectivo transpor para Portugal, a directiva da Água da União Europeia estabelecida em 2003 (já são 2 anos de atraso) que descreve quais devem ser as linhas principais das leis a elaborar pelos estados membros sobre esta matéria.

Muitos partidos políticos e ONG's contestaram a aparente pressa do Governo em aprovar a sua proposta, o que lhes deixou muito pouco tempo para a estudarem, tendo em conta que se trata de um tema tão importante para o País em termos sociais, ambientais e económicos. Também de espantar é a fraca divulgação destas novas alterações e consequente fraca participação pública

A proposta do Governo traz de facto algumas alterações muito importantes e aparentemente vantajosas: Esta nova lei já tem em conta os custos ambientais e de escassez e vai introduzir as TRH taxas de recursos hídricos. Estas taxas, segundo o ministro do ambiente Francisco Nunes Correia, apenas vai afectar os grandes consumidores de água, ou seja, a grandes captações industriais e agrícolas. A sua aplicação será progressiva e os pequenos agricultores vão ficar isentos.

Vão ser criadas 5 administrações das Bacias Hidrográfica, que estarão subordinadas à Autoridade Nacional da Água.

Muitos partidos políticos, e organizações sociais e ambientais afirmam que esta nova legislação abre as portas ao interesse dos privados. Esta é de facto a grande polémica que gira em torno desta lei: a questão da privatização da água e do domínio público hídrico DPH (sim, porque permite que rios, portos e praias acabem nas mãos dos privados, por períodos de concessão extremamente longos). O Governo tenta assim, reduzir as despesas do Estado, entregando nas mãos de privados, a responsabilidade de gerir o abastecimento e o DPH. Ora estes privados gerem-se apenas por lógicas económicas em que o principal objectivo é o lucro (e portanto, seria óptimo que todos nós desperdiçássemos o mais possível), poderá também acontecer no que concerne à gestão da água é que onde quer que não dê lucro distribuir água simplesmente a mesma deixará de ser distribuída e o recurso essencial à vida deixará de estar disponível nesses locais..

A legislação a única garantia de que a água será tratada, como recurso essencial que é, de que vão ser compridas todas as questões ambientais e que todos terão direitos iguais no acesso à água, é omissa nalgumas questões. Organizações como a Quercus e a LPN apontam graves lacunas na nova legislação. Entre essas lacunas estão o facto de não haver nenhuma referência à água como um produto não comercial, de permitir prazos de concessão muito alargados, de não haver um incentivo à poupança de água, de não estar esclarecida a articulação entre planos, instrumentos e programas e de permitir que entidades privadas tenham funções de licenciamento, cobrança de taxas e de fiscalização. Para além disso não se sabe como vão ser aplicadas no terreno medidas e práticas de conservação e desenvolvimento sustentável da água.

Ainda que a legislação fosse perfeita, ao privatizar-se a distribuição de água, estamos imediatamente a colocar o lucro das empresas à frente do direito de todos terem água em quantidade e qualidade satisfatórias. A água, como um sector de extrema importância (e cada vez mais será assim), deve estar sobre a responsabilidade do Estado e este tem de se comprometer a protegê-la e a tratá-lo como merece um recurso da sua natureza.

Notas: A directiva quadro da água (directiva 2000/60/CE de 23 de Outubro) é do ano 2000 e parte dela transposta para a legislação portuguesa pelo DL 243/2001, a parte que diz respeito à água para consumo humano e aos novos limites das concentrações dos diversos parâmetros que são aceites e as novas análises que devem ser feitas para garantir a qualidade desta água.

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