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MAIS VALE VERDES DO QUE MORTOS

(Última edição: sábado, 11 de fevereiro de 2006 às 19:15)
16:00 (JPP)

MAIS VALE VERDES DO QUE MORTOS

Pacheco Pereira, Público, 8 Fev 2006

Eu pensei que as coisas estavam melhores do que o que estão, mas, mais uma vez, se percebe como há apenas uma fina película entre a civilização e a barbárie. Película que estamos a deixar romper com a maior das displicências. Devia desconfiar que é assim porque os sinais estão por todo o lado. Mas a gente acredita, quer acreditar, que algumas dezenas de anos de democracia consolidada (na maioria da Europa) e duas centenas de anos desde a revolução americana e francesa tinham consolidado a liberdade como princípio. Mas não é, não é suficiente, como se vê.

Estamos em guerra e estamos a perder. Estamos a perder, antes de tudo, porque ainda não percebemos que estamos em guerra. A retórica olimpiana, de um mundo "multicultural", de uma "comunidade internacional" eficaz, assente na lei e na Realpolitik moderada, ofusca-nos e impede-nos de ver o que está à nossa frente. Muitos sublimam as fraquezas, transformando-as num arremedo de "diplomacia" que não é senão contemporização e complacência, outros têm medo e estão dispostos à servidão, outros minimizam o que acontece para não quebrar o mundo ideal em que vivem.

Estamos a perder por dentro, o que é pior. A crise das caricaturas dinamarquesas é disso o melhor sinal. Mortos e feridos, atentados, violências, destruição de embaixadas, expulsão de estrangeiros, muitos deles os dadores de solidariedade, intolerância exaltada e absoluta, e nós, os visados, arrastamo-nos pela culpa. A UE gaguejou, no limite do pedido de desculpas, e Portugal, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, foi ainda mais longe do que o pedido de desculpas, condenou os caricaturistas e calou-se face à violência absurda e orquestrada que passa por ser "a rua árabe".

A comunicação social que costuma ser hiper-sensível à questão da liberdade de expressão, muitas vezes de forma puramente gratuita e corporativa, para encobrir os seus abusos, está numa de "respeito", de "contexto", de "bom senso", de "bom gosto". Encontram-se mil e um pretextos e mil e uma desculpas para se não ser claro: é o jornal dinamarquês que é dúplice e se recusou a caricaturar Cristo, é o jornal dinamarquês que é racista e antiárabe e encomendou as caricaturas de forma provocatória, é Sousa Lara, Abecasis, e as cenas à volta do filme sobre a Virgem Maria, é o abaixo-assinado contra a caricatura de António do Papa com o preservativo no nariz, é tudo e mais alguma coisa. Estamos a falar do mesmo? Quero lá saber se o jornal dinamarquês é respeitável, equilibrado, sensato, equidistante do islão e da cristandade, quero lá saber se o New York Times não passou as caricaturas, ou se a SIC e a RTP as mostraram veladas e à distância! O que eu quero saber é que se o valor da liberdade, e da sua forma especial, o da liberdade de expressão, não está em causa nestes eventos, então não sei o que é a liberdade.

Pergunta-se (sinistra pergunta nos dias de hoje, que mal se formula culpabiliza os dinamarqueses): é a liberdade de expressão absoluta? Não, não é. Tem limites na lei na democracia, tem regras mínimas, para proteger outras liberdades e outros direitos. Regras mínimas, aliás habitualmente violadas sem consequência, para proteger a dignidade dos indivíduos, a sua intimidade, a sua personalidade, o seu direito de não ser caluniado. Mas são regras para os indivíduos, não são nem para religiões, nem comunidades, nem crenças, nem para a "blasfémia". Mesmo assim, o abuso destes limites é comum, justificado pelo "interesse público", e é raríssimo ver a comunicação social a discutir tão voluntariamente os seus limites no "bom senso" e no "bom gosto", quanto mais no "respeito" e muito menos no "contexto". Ainda bem, vivemos com esta realidade, não é perfeita, mas é melhor do que o seu contrário. Por isso repito a mesma pergunta: é a liberdade de expressão absoluta neste caso? É. Ou é absoluta ou não é.

De novo, insisto, não quero saber se houve intenção de ofender (e depois?), de fazer propaganda anti-islão (e depois?), de ser simplista na representação do "martírio" (e depois?), de rebaixar Maomé (e depois?) de associar o islão ao terrorismo (e depois? É proibido?). É acaso proibido representar Deus-pai como um velho lúbrico como faz Vilhena e Crumb, e Cristo como um alegre imbecil como fizeram os Monty Python? É que se não é para defender este direito de se exprimir no limite das nossas crenças, a liberdade não serve para nada. É que também convém não esquecer que a nossa liberdade foi conquistada exactamente aqui, contra a intolerância religiosa. A essência da liberdade, tal como a entendemos, é a liberdade do outro, de escrever, desenhar, pintar, representar, filmar aquilo com que não concordamos, aquilo que consideramos ofensivo, de mau gosto, insensato, mesmo vil e nojento. Esta é a nossa concepção de liberdade, a liberdade de dissídio, do dissent, que, como tudo no mundo, não nasceu da natureza mas de uma história cultural, política e civilizacional que cada um escolhe e deseja como quer. E eu quero esta, porque não tenho nada a aprender sobre a liberdade com a Síria e o Irão, com o Egipto e a Arábia Saudita, com o Hamas e o Hezbollah, com a "rua árabe", nem com aqueles que se "indignam" contra os desmandos do "Ocidente, porque são contra os EUA, ou contra a guerra no Afeganistão e no Iraque, contra Israel, e estão órfãos do mundo a preto e branco do comunismo, nas suas várias versões, mesmo as de Toni Negri e do Le Monde Diplomatique.

A maior das falácias é achar que é a religião que está no centro destes eventos (e se fosse? O que é que mudava?), mas claramente uma recusa política da democracia e uma recusa cultural da tolerância, da liberdade, das diferenças, e uma recusa social e cultural em viver em sociedades em que as mulheres não façam parte do património dos homens. Estes não são problemas que devamos interiorizar como sendo nossa culpa, são problemas do mundo árabe e persa, são problemas do islão. Enquanto as sociedades maioritariamente muçulmanas se recusarem a separar o Estado da religião, a tolerar as outras religiões e em particular o agnosticismo e o ateísmo, a tratar de outro modo as mulheres, estes problemas são problemas de poder e de conflito, uma guerra nas formas novas que tem hoje.


Esta é a chantagem que nos é feita e a que estamos a ceder. E se no fim disto tudo eu pedir ao PÚBLICO que ilustre o meu artigo com uma das caricaturas, uma das que penso ser absolutamente defensável como caricatura, a de Maomé com o turbante-bomba, o que é que acontece? É uma provocação gratuita? Não é, é a ilustração ideal para o que digo, não só pela imagem como sobre tudo o que ela suscita. Mas já se levantam todos os problemas, de autocensura, de risco, de pensar duas vezes. Nunca se sabe se alguém pega no PÚBLICO e o associa aos outros jornais "blasfemos" e me dita uma fatwa. É pouco provável, mas convém pensar duas vezes. E é nesse pensar duas vezes que está a autocensura, e a censura, e a efectiva diminuição das nossas liberdades.

Voltamos aos tempos de "mais vale vermelhos do que mortos", revistos agora para outra cor, para "mais vale verdes do que mortos". Ficam os muçulmanos ofendidos? Não deviam, porque têm sempre uma maneira de responder a esta situação: serem os primeiros a manifestar-se pela liberdade dos dinamarqueses, pelo seu direito de caricaturarem o profeta, como muitos cristãos marchariam, como cidadãos, pelo direito de se caricaturar a Igreja, o Papa e Deus, em nome da liberdade que prezam no "reino de César".

(No Público de hoje.)

MAIS VALE VERDES DO QUE MORTOS

(Última edição: sábado, 11 de fevereiro de 2006 às 19:16)
16:00 (JPP)

MAIS VALE VERDES DO QUE MORTOS

Pacheco Pereira, Público, 8 Fev 2006

Eu pensei que as coisas estavam melhores do que o que estão, mas, mais uma vez, se percebe como há apenas uma fina película entre a civilização e a barbárie. Película que estamos a deixar romper com a maior das displicências. Devia desconfiar que é assim porque os sinais estão por todo o lado. Mas a gente acredita, quer acreditar, que algumas dezenas de anos de democracia consolidada (na maioria da Europa) e duas centenas de anos desde a revolução americana e francesa tinham consolidado a liberdade como princípio. Mas não é, não é suficiente, como se vê.

Estamos em guerra e estamos a perder. Estamos a perder, antes de tudo, porque ainda não percebemos que estamos em guerra. A retórica olimpiana, de um mundo "multicultural", de uma "comunidade internacional" eficaz, assente na lei e na Realpolitik moderada, ofusca-nos e impede-nos de ver o que está à nossa frente. Muitos sublimam as fraquezas, transformando-as num arremedo de "diplomacia" que não é senão contemporização e complacência, outros têm medo e estão dispostos à servidão, outros minimizam o que acontece para não quebrar o mundo ideal em que vivem.

Estamos a perder por dentro, o que é pior. A crise das caricaturas dinamarquesas é disso o melhor sinal. Mortos e feridos, atentados, violências, destruição de embaixadas, expulsão de estrangeiros, muitos deles os dadores de solidariedade, intolerância exaltada e absoluta, e nós, os visados, arrastamo-nos pela culpa. A UE gaguejou, no limite do pedido de desculpas, e Portugal, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, foi ainda mais longe do que o pedido de desculpas, condenou os caricaturistas e calou-se face à violência absurda e orquestrada que passa por ser "a rua árabe".

A comunicação social que costuma ser hiper-sensível à questão da liberdade de expressão, muitas vezes de forma puramente gratuita e corporativa, para encobrir os seus abusos, está numa de "respeito", de "contexto", de "bom senso", de "bom gosto". Encontram-se mil e um pretextos e mil e uma desculpas para se não ser claro: é o jornal dinamarquês que é dúplice e se recusou a caricaturar Cristo, é o jornal dinamarquês que é racista e antiárabe e encomendou as caricaturas de forma provocatória, é Sousa Lara, Abecasis, e as cenas à volta do filme sobre a Virgem Maria, é o abaixo-assinado contra a caricatura de António do Papa com o preservativo no nariz, é tudo e mais alguma coisa. Estamos a falar do mesmo? Quero lá saber se o jornal dinamarquês é respeitável, equilibrado, sensato, equidistante do islão e da cristandade, quero lá saber se o New York Times não passou as caricaturas, ou se a SIC e a RTP as mostraram veladas e à distância! O que eu quero saber é que se o valor da liberdade, e da sua forma especial, o da liberdade de expressão, não está em causa nestes eventos, então não sei o que é a liberdade.

Pergunta-se (sinistra pergunta nos dias de hoje, que mal se formula culpabiliza os dinamarqueses): é a liberdade de expressão absoluta? Não, não é. Tem limites na lei na democracia, tem regras mínimas, para proteger outras liberdades e outros direitos. Regras mínimas, aliás habitualmente violadas sem consequência, para proteger a dignidade dos indivíduos, a sua intimidade, a sua personalidade, o seu direito de não ser caluniado. Mas são regras para os indivíduos, não são nem para religiões, nem comunidades, nem crenças, nem para a "blasfémia". Mesmo assim, o abuso destes limites é comum, justificado pelo "interesse público", e é raríssimo ver a comunicação social a discutir tão voluntariamente os seus limites no "bom senso" e no "bom gosto", quanto mais no "respeito" e muito menos no "contexto". Ainda bem, vivemos com esta realidade, não é perfeita, mas é melhor do que o seu contrário. Por isso repito a mesma pergunta: é a liberdade de expressão absoluta neste caso? É. Ou é absoluta ou não é.

De novo, insisto, não quero saber se houve intenção de ofender (e depois?), de fazer propaganda anti-islão (e depois?), de ser simplista na representação do "martírio" (e depois?), de rebaixar Maomé (e depois?) de associar o islão ao terrorismo (e depois? É proibido?). É acaso proibido representar Deus-pai como um velho lúbrico como faz Vilhena e Crumb, e Cristo como um alegre imbecil como fizeram os Monty Python? É que se não é para defender este direito de se exprimir no limite das nossas crenças, a liberdade não serve para nada. É que também convém não esquecer que a nossa liberdade foi conquistada exactamente aqui, contra a intolerância religiosa. A essência da liberdade, tal como a entendemos, é a liberdade do outro, de escrever, desenhar, pintar, representar, filmar aquilo com que não concordamos, aquilo que consideramos ofensivo, de mau gosto, insensato, mesmo vil e nojento. Esta é a nossa concepção de liberdade, a liberdade de dissídio, do dissent, que, como tudo no mundo, não nasceu da natureza mas de uma história cultural, política e civilizacional que cada um escolhe e deseja como quer. E eu quero esta, porque não tenho nada a aprender sobre a liberdade com a Síria e o Irão, com o Egipto e a Arábia Saudita, com o Hamas e o Hezbollah, com a "rua árabe", nem com aqueles que se "indignam" contra os desmandos do "Ocidente, porque são contra os EUA, ou contra a guerra no Afeganistão e no Iraque, contra Israel, e estão órfãos do mundo a preto e branco do comunismo, nas suas várias versões, mesmo as de Toni Negri e do Le Monde Diplomatique.

A maior das falácias é achar que é a religião que está no centro destes eventos (e se fosse? O que é que mudava?), mas claramente uma recusa política da democracia e uma recusa cultural da tolerância, da liberdade, das diferenças, e uma recusa social e cultural em viver em sociedades em que as mulheres não façam parte do património dos homens. Estes não são problemas que devamos interiorizar como sendo nossa culpa, são problemas do mundo árabe e persa, são problemas do islão. Enquanto as sociedades maioritariamente muçulmanas se recusarem a separar o Estado da religião, a tolerar as outras religiões e em particular o agnosticismo e o ateísmo, a tratar de outro modo as mulheres, estes problemas são problemas de poder e de conflito, uma guerra nas formas novas que tem hoje.


Esta é a chantagem que nos é feita e a que estamos a ceder. E se no fim disto tudo eu pedir ao PÚBLICO que ilustre o meu artigo com uma das caricaturas, uma das que penso ser absolutamente defensável como caricatura, a de Maomé com o turbante-bomba, o que é que acontece? É uma provocação gratuita? Não é, é a ilustração ideal para o que digo, não só pela imagem como sobre tudo o que ela suscita. Mas já se levantam todos os problemas, de autocensura, de risco, de pensar duas vezes. Nunca se sabe se alguém pega no PÚBLICO e o associa aos outros jornais "blasfemos" e me dita uma fatwa. É pouco provável, mas convém pensar duas vezes. E é nesse pensar duas vezes que está a autocensura, e a censura, e a efectiva diminuição das nossas liberdades.

Voltamos aos tempos de "mais vale vermelhos do que mortos", revistos agora para outra cor, para "mais vale verdes do que mortos". Ficam os muçulmanos ofendidos? Não deviam, porque têm sempre uma maneira de responder a esta situação: serem os primeiros a manifestar-se pela liberdade dos dinamarqueses, pelo seu direito de caricaturarem o profeta, como muitos cristãos marchariam, como cidadãos, pelo direito de se caricaturar a Igreja, o Papa e Deus, em nome da liberdade que prezam no "reino de César".

(No Público de hoje.)

Maria de Lurdes Rodrigues, A Ministra de que os professores não gostam

(Última edição: domingo, 18 de dezembro de 2005 às 22:26)
Maria de Lurdes Rodrigues, A Ministra de que os professores não gostam

MEMÓRIAS FELIZES DE ILUSTRES ALEXANDRINOS

(Última edição: domingo, 5 de fevereiro de 2006 às 23:35)
Público, 5 Fev 2006

Quatro ilustres ex-alunos do Alexandre Herculano
estiveram ontem a desfiar as suas recordações e afectos
do centenário liceu portuense. Histórias carregadas
de humor e ternura que contagiaram a sala.
POR NUNO CORVACHO

MEMÓRIAS FELIZES DE ILUSTRES ALEXANDRINOS

“Estamos todos muito mais
novos!” – o comentário de Rui
Vilar, ao dirigir-se àquela plateia
cheia de gente para cima
dos sessenta anos e preparada
para contar e ouvir contar
histórias do passado, podia ser
tomado por um exercício de ironia,
não fosse o caso de todos
eles terem ali rejuvenescido
de verdade. Não há, de facto,
outro nome a dar àquilo que
aconteceu ontem à tarde no
anfiteatro do liceu portuense
Alexandre Herculano, que
por estes dias comemora o
seu centésimo aniversário: o
bruá cúmplice das vozes, os
suspiros de contentamento, os
risos a abrirem-se num leque
furtivo e um inconfundível
desassossego juvenil a tomar
definitivamente conta da sala.
Como se aquele anfiteatro de cidadãos
grisalhos e respeitáveis,
ali reunido para comemorar a
memória da escola onde cada
um deles passara os seus irrepetíveis
anos de adolescência,
se tivesse magicamente transformado
numa sala de aula e
um qualquer professor estivesse
a ponto de reaparecer a
qualquer momento para repor
a ordem.
Alguns já lá não deviam estar
desde o tempo em que haviam
completado os seus estudos, décadas
atrás. Decerto já teriam
contado melancolicamente as
rugas e cabelos brancos uns
dos outros mas verificado
com ternura que a cintilação
nos olhares continuava igual.
Agora, porém, havia ali um
motivo especial para os circunstantes
redobrarem de
atenção. Estavam ali quatro
ilustres ex-alunos que tinham
sido chamados a desfiar as suas
memórias afectivas: além
do presidente da Fundação
Gulbenkian, Rui Vilar (que
disse ter andado no liceu “de
49 a 56 do século passado”), o
empresário Belmiro de Azevedo
(que lá entrou há 57 anos), o
cientista Sobrinho Simões (aluno
entre 57 e 64) e o economista
António Borges (o mais novo,
que saiu do liceu em 1967).
Já lá vão quase cinquenta
anos, mas Sobrinho Simões
lembra-se bem do dia em que
o pai o “largou” à porta do Alexandre
Herculano e lhe disse:
“E agora desenrasca-te!”. Ainda
habituado à pequena escola
33-A da Rua de Costa Cabral,
o rapazinho de dez anos logo
ficou impressionado com a
extensão dos corredores, a
altura das paredes e sobretudo
o “tamanho” dos colegas. “A D.
Maria da Graça, que foi a minha
professora na instrução
primária, tratava-nos por tu.
Ali, no liceu, éramos tratados
por ‘senhores’. Ora isso foi um
salto enorme!”.
Rui Vilar também não foi indiferente
àquele casarão “enorme
e solene” da Avenida de Camilo
e ao impacte dos cartazes
dissuasores que algum espírito
salazarista colocara em pontos
estratégicos do liceu com frases
tão edificantes como “No barulho
ninguém se entende, é por
isso que na revolução ninguém
se respeita” ou “Se soubesses
o que custa mandar, gostarias
de obedecer toda a vida”. Belmiro
de Azevedo chegou a ser
por um curto período chefe de
quina na Mocidade Portugue-
sa, mas, logo que pôde, meteuse
em actividades de xadrez
como desculpa para não usar
a farda. Já Vilar, animado da
mesma intenção, optou por se
inscrever em aulas de rádio,
tendo andado um ano inteiro
para construir um aparelho,
sem o conseguir.
Mas nenhum deles deixa de
reivindicar memórias estruturantes
do Alexandre Herculano.
Belmiro de Azevedo, por
exemplo, disse ter cimentado
por lá a ética de “tolerância
zero” que lhe conforma a vida
– “zero erros, zero mentiras” – e
ganho o gosto pela Matemática
que, para ele, é um instrumento
tão natural como “andar de
bicicleta”. António Borges vai
mais longe, ao considerar-se
“apaixonado” pela ciência dos
números, em grande parte por
influência de um professor, e
já não tanto pela parte musical,
cujas aulas de canto coral
eram um “verdadeiro fiasco”.
Rui Vilar recordou a influência
de Óscar Lopes (“que, apesar
de comunista, nos deu a ler
a Pátria Portuguesa, de Júlio
Dantas, por ser um livro bem
escrito”), a tertúlia Caminho,
que ele próprio e alguns colegas
fundaram e onde se discutiram
temas tão sisudos como a Música
de Beethoven e a Poesia
Romântica e Simbolista, bem
como as sessões do cineclube
liceal em que pela primeira vez
se viram filmes de Jacques Tati
e do neo-realismo italiano.
Para Sobrinho Simões, a
“rigidez curricular” do ensino
ministrado à época e a
prevalência da memorização
não foram obstáculo a que os
professores tivessem também
sabido “motivar” os alunos no
gosto pelo conhecimento. Se a
semente ficar, pode ser que se
cumpra a profecia avançada no
início da sessão pelo presidente
da Assembleia de Escola, José
Luís Sarmento: “Que daqui
a cinquenta anos possa um
sucessor meu ter a honra de
se dirigir a uma assembleia de
alexandrinos tão ilustre e tão
rica de exemplos como esta.
Quem sabe não estarão hoje
nas nossas salas de aula os
cientistas, empreendedores,
artistas, estadistas e filantropos
do futuro?

Tive um extraordinário professor de Matemática, um homem já com uma
certa idade, discreto e humilde. Despertava o interesse e fez com que eu
me apaixonasse pela Matemática. Se não fosse ele, eu teria de certeza
seguido uma carreira diferente.
No meu tempo, não havia raparigas no liceu. O ambiente era mais
sossegado. Havia menos concorrência. É que nestas idades elas são mais
produtivas...
ANTÓNIO BORGES
ECONOMISTA

Havia um rapaz gordo, simpático, o Vieira, que tinha um rosto
permanentemente sorridente. A certa altura, o Sena Esteves, que era o
professor de Química, achou que o miúdo estava a gozar com ele e deulhe
uma lambada. No dia seguinte, depois de se ter apercebido do erro,
deu-lhe um chocolatezinho com uma medalha e pediu-lhe desculpa.
Houve uma vez em que eu trepei pelo cano da água até à sala onde estava
a decorrer um exame de Desenho. Consegui fazer o teste no lugar de um
aluno que estava em dificuldades e ele acabou por ganhar o prémio.
BELMIRO DE AZEVEDO
PRESIDENTE DO GRUPO SONAE

Tínhamos um professor de Inglês, o José Luís Afonso, que passava a vida
a trabalhar nos seus dicionários e misturava permanentemente as duas
línguas. “Stop talking, meninos!”, dizia ele.
Em 53/54, cinco alunas começaram a frequentar o liceu que até então
era só de rapazes. Tinham um recreio em espaço próprio que logo foi
baptizado de “gineceu”. Aquelas raparigas inevitavelmente provocaram
por ali terramotos sentimentais...
RUI VILAR
PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO GULBENKIAN

Nós éramos miúdos e, no início do liceu, éramos confrontados com coisas
que não conseguíamos interpretar muito bem. O meu colega Zé Marcelino
veio uma vez ter comigo para me dizer: “Já sei donde é que vêm as crianças!”.
“Donde?”, perguntei eu. “Do rabo”, disse ele.
Eu era muito mau a Canto Coral. E fiz uma prova tão ordinária que o
professor até pensou que eu tinha feito de propósito. De maneira
que ele acabou por me pôr juntamente com o coro. Mas, quando
percebeu o desastre que eu era, disse-me logo: “Bem, tu agora estás aí,
mas ficas calado!”.
SOBRINHO SIMÕES
INVESTIGADOR NA ÁREA DA MEDICINA

MIT students pull prank on conference

(Última edição: quarta-feira, 20 de abril de 2005 às 10:02)
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MIT students pull prank on conference

Computer-generated gibberish submitted, accepted

Thursday, April 14, 2005 Posted: 7:29 PM EDT (2329 GMT)

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CAMBRIDGE, Massachusetts (Reuters) -- In a victory for pranksters at the Massachusetts Institute of Technology, a bunch of computer-generated gibberish masquerading as an academic paper has been accepted at a scientific conference.

Jeremy Stribling said Thursday that he and two fellow MIT graduate students questioned the standards of some academic conferences, so they wrote a computer program to generate research papers complete with "context-free grammar," charts and diagrams.

The trio submitted two of the randomly assembled papers to the World Multi-Conference on Systemics, Cybernetics and Informatics (WMSCI), scheduled to be held July 10-13 in Orlando, Florida.

To their surprise, one of the papers -- "Rooter: A Methodology for the Typical Unification of Access Points and Redundancy" -- was accepted for presentation.

The prank recalled a 1996 hoax in which New York University physicist Alan Sokal succeeded in getting an entire paper with a mix of truths, falsehoods, non sequiturs and otherwise meaningless mumbo-jumbo published in the quarterly journal Social Text, published by Duke University Press.

Stribling said he and his colleagues only learned about the Social Text affair after submitting their paper.

"Rooter" features such mind-bending gems as: "the model for our heuristic consists of four independent components: simulated annealing, active networks, flexible modalities, and the study of reinforcement learning" and "We implemented our scatter/gather I/O server in Simula-67, augmented with opportunistically pipelined extensions."

Stribling said the trio targeted WMSCI because it is notorious within the field of computer science for sending copious e-mails that solicit admissions to the conference.

The idea of a fake submission was to counter "fake conferences...which exist only to make money," explained Stribling and his cohorts' website, "SCIgen - An Automatic CS Paper Generator."

"Our aim is to maximize amusement, rather than coherence," it said. The website allows users to "Generate a Random Paper" themselves, with fields for inserting "optional author names."

"Contrarily, the lookaside buffer might not be the panacea..."

Nagib Callaos, a conference organizer, said the paper was one of a small number accepted on a "non-reviewed" basis -- meaning that reviewers had not yet given their feedback by the acceptance deadline.

"We thought that it might be unfair to refuse a paper that was not refused by any of its three selected reviewers," Callaos wrote in an e-mail. "The author of a non-reviewed paper has complete responsibility of the content of their paper."

However, Callaos said conference organizers were reviewing their acceptance procedures in light of the hoax.

Asked whether he would disinvite the MIT students, Callos replied, "Bogus papers should not be included in the conference program."

Stribling said conference organizers had not yet formally rescinded their invitation to present the paper.

The students were soliciting cash donations so they could attend the conference and give what Stribling billed as a "completely randomly-generated talk, delivered entirely with a straight face."

They exceeded their goal, with $2,311.09 cents from 165 donors.



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