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"É muito mais fácil ensinar matemática e ciência do que artes"

(Última edição: quinta-feira, 16 de março de 2006 às 16:27)

PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA - SOCIEDADE

Director: José Manuel Fernandes

Directores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho POL nº 5823 | Terça, 7 de Março de 2006

"É muito mais fácil ensinar matemática e ciência do que artes"

Conferência da UNESCO reúne centenas de cientistas, professores e artistas. Separação dos processos cognitivo e emocional é "completamente injustificada"

Nas últimas décadas o ensino tem privilegiado o desenvolvimento das áreas cognitivas, esquecendo que "um currículo escolar que integra as artes e as humanidades é imprescindível à formação de bons cidadãos", disse ontem o cientista português António Damásio, durante a Conferência Mundial de Educação Artística, que a UNESCO promove em Lisboa até quinta-feira.

Para este investigador na área das neurociências, que interveio na sessão de abertura depois do director-geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, e do Presidente da República, Jorge Sampaio, é necessário que a educação evolua de acordo com o princípio de que separar o processo cognitivo do emocional é "um erro".

"A divisão é completamente injustificada", defende Damásio. "A ciência e a matemática são muito importantes, mas a arte e as humanidades são imprescindíveis à imaginação e ao pensamento intuitivo que estão por trás do que é novo. As capacidades cognitivas não bastam."

Para o cientista, que diz compreender que os governos invistam na matemática e nas ciências por considerarem que isso os torna competitivos, "não devemos abdicar da educação artística só porque o tempo e os recursos são limitados".

Educar, acrescenta, envolve a mente e o cérebro.

Conceitos que estão habitualmente associados às artes - estética, belo, prazer - são na realidade "transversais". Não é por acaso, garante Damásio, que Einstein falava na beleza de uma demonstração matemática ou no facto de as equações serem "feias".

Apesar de serem muito diferentes um do outro - "o nosso processo emocional não se desenvolve com a mesma rapidez do cognitivo" -, são ambos fundamentais. "As emoções qualificam as ideias e as acções, sem elas não reflectiríamos", explica, acrescentando que a investigação actual defende que o desenvolvimento moral e ético se baseia em emoções. A poesia, a dança, o teatro ou as artes visuais podem ser usados para formar e treinar o espírito reflexivo, "o único que vale a pena ter".

A importância da imaginação

António Damásio não tem dúvidas em afirmar que "é muito mais fácil ensinar matemática e ciência do que artes", posição com que Ken Robinson, especialista britânico em educação artística e criatividade, concorda. "As artes exigem tempo e um tipo de empenho diferente", diz. "Muitas vezes os professores não estão lá para ensinar os alunos, mas para ensinar matérias. A preparação para as artes não é tão boa como a retórica sobre as artes." Robinson, que hoje vive nos Estados Unidos e é consultor do J. Paul Getty Center de Los Angeles, defendeu em Lisboa que a imaginação é tão importante para os alunos do século XXI como os números e as letras, apesar de as artes estarem quase sempre no fim da lista de prioridades do ensino escolar público.

"Temos tendência a separar as artes da ciência, quando na realidade são complementares. Os grandes cientistas são incrivelmente criativos e intuitivos. O processo científico valida, demonstra. É a imaginação que cria." Para Robinson, as artes devem ser vistas como motor de transformação do sistema de ensino: "Gastamos muito tempo e energia a tentar fazer com que o actual sistema de ensino assimile as artes, quando devíamos era pensar em formas de criar, através delas, um sistema novo." Lucinda Canelas

http://jornal.publico.clix.pt/noticias.asp?a=2006&m=03&d=07&uid=&id=67080&sid=7377

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(A)moralidade pública

(Última edição: segunda-feira, 9 de janeiro de 2006 às 17:46)
Público, 9 de Janeiro de 2006

O meu parco optimismo sobre o futuro
resistiu estoicamente, toda a semana,
às notícias do Banco de Portugal, do
Tribunal de Contas, do caso Iberdrola
até soçobrar, na sexta-feira, à mais vulgar manchete
do Independente. Apetece-me meter férias como
analista, voltar a emigrar! Sexta fui confrontada
com a pior das verdades; a nossa doença, ao contrário
das soluções económicas que me parecem
familiares e de fácil implementação, exige outras
medicinas, extravasa largamente a economia e
entra num campo para mim desconhecido: a sociologia.
O problema não tem a ver com as contas
do Estado, mas com o ESTADO a que isto chegou
na gestão da coisa pública. É uma doença do foro
moral. Uma questão de civilização.
Quarta-feira ainda resisti, animadita, às revelações
do Banco de Portugal sobre o facto de estarmos
a viver o mais longo período de empobrecimento
relativo face à Europa desde a Segunda Guerra
Mundial. Permaneci incólume às quantificações
arrasadoras do relatório
do Tribunal de Contas
sobre os custos do
gigantesco flop da operação
de titularização
de dívida que salvou as
contas de 2003 mas perseguirá as contas públicas
dos anos seguintes. Falei-lhes desse risco, aqui
mesmo, antes do tempo...
Consegui mesmo fugir ao pânico perante a contabilização
feita pelo Tribunal de Contas sobre os
previsíveis custos das scuts e das variadíssimas parcerias
público privadas na saúde e companhia.
Confesso que, no relatório do TC, vi até razões
de optimismo. Apesar das desgraças e das mais de
noventa recomendações do Tribunal, o texto tem o
mérito de, por uma vez, cumprir os prazos e dizer
qualquer coisa de interessante enquanto ainda nos
lembramos do nome dos ministros responsáveis.
O antecessor de Guilherme de Oliveira Martins
nunca conseguiu semelhante proeza.
É claro que os visados têm pior memória do
que nós e já não se lembram muito bem do que
fizeram. Basta notar que Bagão Félix só admitiu
responsabilidades sobre a transferência do fundo
de pensões da CGD (o único que aparece como
devidamente provisionado) deixando todas as
operações de integração dos restantes fundos
(ANA, Imprensa Nacional, NAV, etc ), altamente
criticáveis e criticadas, na estranha condição de
filhas de pai incógnito. E todavia foram todas elas
realizadas no mesmo ano de 2004, já em finais do
ano e enquanto era ministro. Coisas…
O meu cada vez mais escasso optimismo não se
abalou sequer perante o anúncio de que o Estado
tinha pedido aos privados a escolha do gestor que
gostariam de ver à frente da EDP, preparando-se
para nomear o ex-ministro António Mexia para
o lugar. Isto, além de se preparar para dar voz no
Conselho superior da empresa à Iberdrola do Dr.
Pina Moura (que é tão só a empresa espanhola
concorrente). Resisti porque Sampaio tinha feito
constar que chamara o ministro a Belém e, pensava
eu ingenuamente, iria fazer saber que vetaria
o nome do novo gestor e o novo modelo de gestão.
Pensava eu que o Presidente não se esquecera
que fora Mexia, enquanto quadro do Grupo Espírito
Santo, a aconselhar ao Estado (nos tempos do
Governo Guterres) o polémico modelo de financiamento
das scuts. Para, mais tarde, já enquanto
ministro das Obras Públicas de Santana Lopes,
acusar o dito Estado de ter embarcado num modelo
de financiamento de forma totalmente irresponsável
e sem fazer contas ao risco que assumia!
Quando confrontado com esta contradição, o então
ministro disse à RR, com uma tranquilidade
espantosa, que não via nenhuma incompatibilidade
entre os conselhos dados ao Estado por si e
a posição anti-scuts assumida enquanto ministro.
Tanto mais que o modelo de financiamento das
scuts era (sic) “um modelo de financiamento como
outro qualquer” e que em si mesmo não lhe levantava
nenhum problema. O Estado só não o devia ter
adoptado para além das suas possibilidades de fazer
face aos respectivos pagamentos futuros. Tudo
muito simples, muito óbvio, sem sequer perceber
de onde vinha a possível contradição e as dúvidas
éticas levantadas pelo jornalista.
Ou seja, o cidadão Mexia, embora surja num
movimento que dá pelo nome de Compromisso
Portugal, não considerou sua obrigação de consciência
alertar o “cliente” Estado para a sua evidente
incapacidade financeira futura. Ou seja, o
consultor Mexia agiu como o mais vulgar vendedor
de time-sharing e achou isso, enquanto cidadão,
absolutamente normal! Diz alguma coisa sobre o
seu conceito de serviço público, ou não?
Pois, no dia seguinte, soube-se que afinal Mexia
ficava mas a Iberdrola de mote próprio adiara a
ida para o Conselho Superior da EDP, evitando
engulhos ao Governo português. A confirmação
de Mexia foi tão bem acolhida pelos privados que
nem acharam necessário esperar pelo “ período
da cerimónia”. O Banco Espírito Santo reforçou
em Bolsa a sua posição na eléctrica antes mesmo
de acabar a semana.
Quanto a Sampaio, desmentia ferozmente o
jornal que lhe apontava o mais louvável dos comportamentos.
Sampaio não queria que restassem
dúvidas: não tinha qualquer mérito no meio desfecho
positivo da história.
Há presidentes assim, que não gostam que se
goste deles e se esforçam por nos fazer acreditar
que não servem para nada! Estranha mensagem
em plena campanha…
Ainda assim, o meu já escasso optimismo só esmoreceu
na sexta-feira pelo mais improvável dos
motivos: uma manchete do Independente. Confesso
que a li sem lhe dar grande crédito e sem que me
fizesse grande mossa. Era mais um escândalo: a
história de Neidi, requisitada pelo Ministério da
Justiça para uma comissão de serviço de três anos,
sem concurso, e com a agravante de parecer ter
como habilitação específica a escassa experiência
da gestão de um restaurante. Era tudo triste. Uma
daquelas falsas investigações que começa num texto
do Jornal do Fundão e cheira a esturro e dor de
cotovelo, a denúncia anónima a léguas de distância…
Para cúmulo, havia um ridículo arrepiante
em todos os pormenores. O restaurante onde fora
recrutada a nova funcionária chamava-se “Sr
Bacalhau”, a nova sociedade gestora “Coiratos”…
Nem Eça caricaturava tanto. Animei-me a pensar
que a coisa não podia ser bem assim. Era mau de
mais para ser verdade. Mas era…
Não tardaram umas horas e surgia o telex a dar
conta da imediata exoneração dos dois protagonistas,
a senhora Neidi e o seu superior hierárquico
e recrutador. O Ministério da Justiça fazia ainda
notar que o IGFP, por si tutelado, gozava de autonomia
administrativa e financeira (sinónimo
aparente de total impunidade…) permitindo ao
Dr. Aberto Costa sacudir a água do capote.
Contra isto, não há optimismo que resista! Afinal
a notícia má demais conseguia ser ainda pior. Um
organismo, que o Portal do Governo aponta como
parte integrante da administração central com
a magna tarefa de ser responsável “ pela gestão
financeira e patrimonial dos recursos financeiros
provenientes do Cofre Geral dos Tribunais e do
Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários
de Justiça e dos bens afectos ao Ministério” recruta
os responsáveis assim. É para isto que serve a autonomia
administrativa e financeira concedida à
pala dos méritos da “gestão quase privada” a uma
míriade de institutos?
Há anos que ouvimos falar dos “excedentes” e da
contratação judiciosa e um a um de novos funcionários.
Tudo muito excepcional e com despachos
e justificações várias só na educação, na saúde,
nas forças de segurança, na justiça. Nós a pensarmos
no caos dos tribunais, e os recrutamentos a
serem feitos no senhor Bacalhau para uns vagos
departamentos de logística ministeriais. Enquanto
continuarmos assim não há solução para o país.
Não há Presidente interventivo que nos devolva
a auto-estima.
? Jornalista