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Dives in misericordia
Ioannes Paulus PP. II
1980 11 30
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Fontes de inquietação

11. Aumenta no nosso mundo a sensação de ameaça, aumenta o medo existencial que anda ligado sobretudoconforme tive ocasião de insinuar na Encíclica Redemptor Hominis— com a perspectiva de um conflito que, tendo em conta os hodiernos arsenais atómicos, poderia significar a autodestruição parcial da humanidade. A ameaça não diz respeito apenas ao que os homens podem fazer uns aos outros, utilizando os recursos da técnica militar. Ela envolve ainda muito outros perigos que são o produto de uma civilização materialista, que, não obstante declarações «humanistas», aceita o primado das coisas sobre a pessoa. O homem contemporâneo, receia que, com o uso dos meios técnicos inventados por este tipo de civilização, nãocada um dos indivíduos, mas também os ambientes, as comunidades, as sociedades e as nações, possam vir a ser vítimas da violência de outros indivíduos, ambientes e sociedades. Na história do nosso século não faltam exemplos a esse respeito. Apesar de todas as declarações sobre os direitos do homem tomado na sua dimensão integral, isto é, na sua existência corpórea e espiritual, não podemos dizer que tais exemplos pertencem somente ao passado.

O homem tem justamente medo de vir a ser vítima da opressão que o prive da liberdade interior, da possibilidade de manifestar publicamente a verdade de que está convencido, da que professa, da faculdade de obedecer à voz da consciência que lhe indica o recto caminho a seguir. Os meios técnicos à disposição da civilização dos nossos dias encerram de facto, não apenas a possibilidade de uma autodestruição por meio de um conflito militar, mas também a possibilidade de uma sujeição «pacífica» dos indivíduos, dos ambientes de vida, de inteiras sociedades e de nações que, seja por que motivo for, se apresentem incómodos para aqueles que dispõem de tais meios e estão prontos para empregá-los sem escrúpulos. Pense-se ainda na tortura que continua a existir no mundo adoptada sistematicamente por Autoridades, como instrumento de dominação ou de opressão política, e posta em prática, impunemente, por subalternos.

Assim, ao lado da consciência da ameaça contra a vida vai crescendo a consciência da ameaça que destrói ainda mais aquilo que é essencial ao homem, ou seja, aquilo que está intimamente relacionado com a sua dignidade de pessoa, com o seu direito à verdade e à liberdade.

Tudo isto se desenrola, tendo como pano de fundo o gigantesco remorso constituído pelo facto de que, ao lado de homens e sociedades abastados e fartos, a viverem na abundância, dominados pelo consumismo e pelo prazer, não faltam na mesma família humana indivíduos e grupos sociais que sofrem a fome. Não faltam crianças que morrem de fome sob o olhar de suas mães. Não faltam, em várias partes do mundo, em vários sistemas sócio-económicos, áreas inteiras de miséria, de carência e de subdesenvolvimento. Este facto é universalmente conhecido. O estado de desigualdade entre os homens e os povos nãoperdura, mas até aumenta. Sucede ainda nos nossos dias que ao lado dos que são abastados e vivem na abundância, outros que vivem na indigência, padecem a miséria e, muitas vezes até morrem de fome, cujo número atinge dezenas e centenas de milhões. É por isso que a inquietação moral está destinada a tornar-se cada vez mais profunda. Evidentemente na base da economia contemporânea e da civilização materialista uma falha fundamental ou, melhor dito, um conjunto de falhas ou até um mecanismo defeituoso, que não permite à família humana sair de situações tão radicalmente injustas.

Eis a imagem do mundo de hoje, onde existe tanto mal físico e moral, a ponto de o tornar um mundo enredado em tensões e contradições e, ao mesmo tempo, cheio de ameaças contra a liberdade humana, a consciência e a religião. Tal imagem explica a inquietação a que está sujeito o homem contemporâneo inquietação sentida, não só pelos que se acham desfavorecidos ou oprimidos, mas também por aqueles que gozam dos privilégios da riqueza, do progresso e do poder. Embora não faltem aqueles que procuram descobrir as causas de tal inquietação, ou reagir com os meios à disposição que lhes oferecem a técnica, a riqueza ou o poder, todavia, no mais fundo da alma humana, tal inquietação supera todos os paliativos. Como justamente concluiu na sua análise o Concílio Vaticano II, ela diz respeito aos problemas fundamentais de toda a existência humana. Esta inquietação está ligada ao próprio sentido da existência do homem no mundo. É mesmo inquietação quanto ao futuro do homem e de toda a humanidade e exige resoluções decisivas que hoje parecem impor-se ao género humano.

 




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