(Última edición: sexta, 18 de novembro de 2005, 09:04)
O desafio da educação, MARIA DE LURDES RODRIGUES
Público, 18 de Novembro de 2005
O
maior desafio que se coloca hoje a Portugal é a necessidade de
alteração da qualidade e do nível de exigência nas nossas escolas. Do
último relatório da OCDE sobre a educação este é o gráfico que mais
impressiona. Ele revela Portugal isolado no quadrante superior
esquerdo, numa situação única, não comparável com nenhum outro país. [ver quadro em cima] No
espaço económico mais desenvolvido, Portugal tem a maior percentagem de
jovens dos 20 aos 24 anos com baixos níveis de escolarização e que
abandonaram o sistema de ensino, e simultaneamente é um dos países com
mais baixa percentagem de jovens da mesma idade a estudar. Esta
singularidade resulta de, todos os anos, milhares de jovens abandonarem
a escola sem a escolaridade obrigatória ou com o ensino secundário
incompleto. O gráfico permite ver a dimensão do problema da educação no
nosso país e da urgência de uma intervenção sem hesitações. No
mercado de trabalho, aos adultos de outras gerações com baixas
qualificações por falta de oportunidade de acesso à escola, juntam-se
todos os anos jovens nascidos depois do 25 de Abril para quem o acesso
à escola não se transformou numa verdadeira oportunidade. Isto, apesar
de nos últimos anos o país estar a fazer um enorme esforço de
investimento na educação, esforço maior ainda se considerarmos que o
número de alunos tem vindo a diminuir e o investimento em educação tem
aumentado sempre, em valores absolutos e em valores relativos, passando
em 10 anos de 3,5 para 6,0 mil milhões de euros. Portugal tem
revelado genuína vontade de melhorar o sistema de ensino: aumento do
número de professores para o apoio a alunos com necessidades especiais
de aprendizagem (professor para cada 4 alunos); melhoria do estatuto
sócioeconómico e profissional dos docentes, bem como das condições de
progressão na carreira (cerca de 45% dos professores estão nos últimos
escalões da carreira auferindo entre 2000 e os 2800 euros);
investimentos significativos na valorização profissional através da
formação contínua e especializada de professores (nos últimos seis
anos investiram-se mais de 300 milhões de euros na formação contínua de
professores, sendo muito largas as ofertas formativas e as
oportunidades de formação). No nosso país, a despesa por aluno,
tendo em conta o PIB per capita, é a maior dos países da UE, quer
dizer, que sendo Portugal um dos países mais pobres faz um investimento
equivalente a países mais ricos. Todavia, a este esforço financeiro
não tem correspondido uma melhoria dos resultados. As séries
estatísticas revelam que nos últimos dez anos as taxas de insucesso se
mantêm em níveis muito elevados: anualmente15 por cento dos alunos
abandonam o ensino básico sem o concluir e, ao nível do secundário 35
por cento dos alunos abandonam no 10.º ano e 50 por cento no 12.º ano.
Apesar da melhoria do rácio do número de alunos por professor, do
aumento dos apoios educativos e da valorização das competências e
qualificações dos professores, o insucesso persiste e ao nível dos
resultados obtidos não se registam melhorias correspondentes. Vários relatórios nacionais e internacionais têm apontado para a existência de problemas de diferente natureza: 1)
Ao nível sistémico e organizacional são apontados o excessivo
centralismo do sistema de ensino e défice de autonomia das escolas, o
défice de actividades de acompanhamento e enquadramento de alunos, o défice de envolvimento e trabalho de docentes ao nível do estabelecimento, o défice de acompanhamento e supervisão de aulas e do correspondente controlo da qualidade do ensino. 2)
Ao nível sócio-económico é apontado o quadro de enorme desigualdade
social, a extrema heterogeneidade dos alunos e das escolas nesta
matéria, bem como o défice de acesso a recursos sócio-educativos e culturais dos nossos alunos. 3) Ao nível do desenvolvimento curricular são apontadas questões relacionadas com a excessiva dimensão e
desajuste de programas e instrumentos de ensino e aprendizagem e
ausência de articulação entre as condições de ensino e os mecanismos de
controlo externo, designadamente os exames nacionais. É muito
importante que no interior das escolas, mas não só, se abra um debate
sobre estas questões. Que os relatórios de avaliação e documentos de
diagnóstico sejam efectivamente lidos e divulgados para que possamos
todos reflexivamente encontrar e concretizar soluções. A escola a
tempo inteiro e o enriquecimento curricular e extracurricular do
primeiro ciclo, a reorganização da rede de escolas e a melhoria das
instalações, a ocupação plena dos tempos escolares, a valorização das
competências científicas dos professores, a melhoria das condições de
trabalho e de ensino, a valorização da gestão e da autonomia das escolas, colocam a escola no centro da política
educativa. Este é o desafio do país e o compromisso do Governo para a
legislatura, por isso todos os dias têm de ser ganhos para inverter a
situação.