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UM NOVO MODELO DE BEM-ESTAR

UM NOVO MODELO DE BEM-ESTAR

por Carmo Ribeiro -
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Em recente conferência de imprensa, D. António Marto, tendo como pano de
fundo a actual crise financeira, falou do falhanço de um modelo de vida que
dá prioridade ao "consumismo desenfreado" e da necessidade de "rever a
relação com o dinheiro, as poupanças e o recurso ao crédito".

Denunciou um "sistema financeiro desligado da economia", que se considera
"como um fim". Considerou obrigatória a revisão da remuneração dos
dirigentes de instituições financeiras, que são "verdadeiramente
escandalosas". Mas não se ficou apenas pelos dirigentes, pois neste momento
todos devem envolver-se seriamente na criação de "novos modos de vida, novos
modelos económicos e financeiros" e de se "interrogarem sobre práticas
especulativas que visam a rentabilidade máxima a curto prazo".

Estas palavras recordaram-me outras semelhantes, embora num tempo diferente,
de João Paulo II: "Torna-se, por isso, necessário e urgente uma grande obra
educativa e cultural, que abranja a educação dos consumidores para um uso
responsável do seu poder de escolha, a formação de um alto sentido de
responsabilidade nos produtores e, sobretudo, nos profissionais dos
mass-media, além da necessária intervenção das autoridades públicas" (CA
36).

Todos percebemos que as sucessivas e crescentemente graves crises que nos
vêm atingindo têm como denominador comum o dinheiro: a ganância do lucro
imediato e do dinheiro fácil, ou na célebre expressão do anterior Papa, "a
avidez exclusiva do lucro e a sede do poder a qualquer preço" (SRS 37).
Talvez se trate do que um bispo guatemalteco chamou, no Sínodo, uma
«teologia da prosperidade», que apresenta a pobreza como 'maldição' e a
riqueza como 'bênção e prosperidade'.

O que conta é ter dinheiro, que dá poder que permite fazer o que bem nos
apetece. Perdemos a hierarquização das coisas. Deixámo-nos levar pela sede
do dinheiro, mas também pelo imediato, pelo fácil, pelo "não estou para me
chatear", gastamos acima das nossas posses, não somos capazes de introduzir
hábitos mais moderados e sóbrios. Isso, nem pensar, pois daria de nós uma má
imagem e até a sensação de sermos uns pobres pelintras.

E o resultado é que andamos muito mais "stressados", multiplicámos o uso de
medicamentos psicotrópicos, procuramos sedativos que nos ajudem a ver
cor-de-rosa um mundo que não nos agrada. Perdemos a noção do que é realmente
importante na vida. Vivemos o superficial, o artificial, orientamo-nos pela
opinião surgida "à mesa do café", acreditamos, sem qualquer espírito
crítico, na opinião de meia dúzia de comentadores. E até há muito boa gente
que passa a vida a tentar mostrar o que não é.

Mesmo os mais responsáveis não resistem a um pecado que o pregador do Papa
apontou ao comentar o episódio evangélico dos convidados para o banquete:
trocamos o importante pela "pressa da vida", pelo que consideramos urgente,
mas que muitas vezes nada tem de urgente. "O que têm em comum estes diversos
personagens (que recusaram o convite para o banquete)? Todos tinham algo
urgente para fazer, algo que não podia esperar, que exigia imediatamente a
sua presença...

Está claro, então, que o erro cometido pelos convidados consistiu em
abandonar o importante pelo urgente, trocar o essencial pelo contingente!".
E são tantos os exemplos que podemos dar. Temos sempre tantas coisas
"urgentes" que nos impedem de fazer o que é realmente importante.
Encontramos alguém que gostaria

que o ouvíssemos um bocadinho (importante), mas já vamos atrasados para uma
reunião (urgente).

Temos os filhos em casa a precisar de um momento de atenção (importante) mas
surgiu um problema no escritório (urgente) e só chegamos noite dentro,
cansados e incapazes de um gesto de carinho. Temos amigos a visitar ou a
quem telefonar (importante) mas precisamos de acabar um trabalho (urgente) e
fica para a próxima. Encontramos uma pessoa em dificuldade na rua
(importante) mas já vamos atrasados para a missa (urgente). Sentimos umas
dores persistentes (importante) mas temos o tempo tão ocupado (urgente) que
não podemos ir ao médico.

E assim vamos vivendo uma vida "estúpida" onde não há espaço para o relaxe,
o convívio com os amigos, os tempos de silêncio connosco próprios, a
contemplação do que é belo, onde só há espaço para as correrias, para as
urgências do dia a dia. E mais tarde, quando já não há remédio, descobrimos
que realmente levámos uma vida "estúpida". Percebemos tarde demais que com
tantas urgências pouco urgentes não saboreámos nem demos a saborear o nosso
amor aos filhos.

Depois, quando eles crescem ou saem de casa, só então percebemos o que
perdemos e não volta mais, por causa de "urgências" que podiam esperar um
pouco mais e que podiam ser resolvidas se tivéssemos feito uma melhor gestão
de tempo e sobretudo se tivéssemos sido capazes de hierarquizar as
prioridades da nossa vida.

E (quem sabe?) se "ao chegarmos ao céu" S. Pedro, antes de nos deixar
entrar, não nos perguntará: "Vens para aqui porque é urgente ou porque é
importante?" Talvez a gestão correcta deste binómio *urgente-importante *nos
possa ajudar a encontrar um novo modelo de bem-estar. Sim, porque nós fomos
criados para sermos felizes.

por José Dias da Silva *

*in "Notícias de Vila Real", 2008.10.22 *